Sunday, September 10, 2006

Victor Jara e o 11 de setembro


A primeira vez que ouvi falar em Victor Jara eu devia ter uns 12 anos de idade. Foi através do livro "Diário de um Cucaracha" escrito por Henfil.

Henfil era irmão do Betinho, o sociólogo que despertou a mídia brasileira e a elite branca para a tragédia da fome no Brasil na década de 90. Betinho estava no Chile no dia 11 de setembro de 1973, quando a CIA patrocinou um golpe de estado em mais um país soberano, levando ao suicídio um presidente, eleito democraticamente através de eleições limpas, para dar posse a um ditador sanguinário que assassinou milhares de pessoas.

Henfil conta nesse livro, através das cartas que enviava para o Brasil, algumas das suas provações quando se mudou para os Estados Unidos em busca de tratamento para sua hemofilia.

Alguns trechos de uma das cartas me marcaram intensamente:

"New York, 19 de dezembro de 1973

Zezim,

Acabo de falar com o Betinho pelo telefone. Continua no Panamá esperando licença pra ir pro Canadá. (...) Já o Teotônio Júnior ainda está no Chile, que segue recusando-lhe salvo-conduto. E a gente só cruzando os dedos. Morrendo de medo deles entrarem na embaixada e sumirem com ele. Ontem soubemos que andaram tirando gente à força de dentro das embaixadas, pra executar nos Estádio Nacional. E não podemos fazer nada. Que impotência, meu Deus! (...)


Me vejo vivendo no escritório que financiou o golpe no Chile. Todo mundo sabe que foi a ITT e outras que financiaram tudo. Que comandaram o boicote ao governo de Allende. Todo mundo sabe que foi a CIA quem financiou a longa greve do Chile. (...) Os caminhões pararam meses. E aí começou a faltar comida, tudo. Caos completo. E pergunto: Como podem ter parado os caminhões? Os donos vão viver de quê? Já viu patrão fazer greve? Teriam eles um capital enorme acumulado para poderem parar quatro a cinco meses? Claro que não. (...)


Um repórter brasileiro visitou o acampamento dos camioneiros grevistas. E se surpreendeu com a tranqüilidade com que eles estavam vivendo. Viu os camioneiros almoçando e jantando e bebendo como se fosse piquenique. Comendo churrascos. Como? Se faltava carne em todo o Chile?(...)


Victor Jara era o Chico Buarque do Chile. Preso no dia do golpe, foi levado para o Estádio Nacional. Aí cortaram-lhes os dedos, entregaram-lhe um violão e disseram: "Agora, canta!" E Jara esfregou o violão e cantou.

Ay, canto que mal me sales!
Cuánto tengo que cantar espanto!

Espanto como el que vivo
como que muero espanto.
De verme entre tantos y tantos
momento del infinito
en que el silencio y el grito

son la metas de este canto.

Eu nunca vi nenhuma foto de Victor Jara. Mas eu imagino ele igual o meu irmão. E é esta associação que me fez chorar. Como se fosse meu irmão que tivesse sido morto. E como o mano toca violão, aí é que fica completo. Precisa ver o alívio que fico quando falo com o Betinho pelo telefone. É como se Victor Jara estivesse vivo. Contam as testemunhas que Jara não acabou de cantar. Foi metralhado ao meio. Jara não está mais vivo. Mas meu irmão está. O que é a mesma coisa. (...) E será que, se eu sair aqui na Rua 70 chorando, Nova Iorque vai saber que Victor Jara está morto?"

Essa é a capa do LP gravado em 1969 onde se encontra uma de suas músicas mais belas: Te recuerdo, Amanda. Depois que fiquei sabendo da forma trágica que Victor Jara foi assassinado essa capa passou a ter um significado muito forte para mim. Apesar de mostrar as mãos de um camponês, quando vejo essa imagem eu vejo duas mãos de um músico clamando por um violão.

Victor Jara era filho de camponeses na localidade de Chillán com forte tradição folclórica. Sua mãe se chamava Amanda, tinha sangue Mapuche e um vasto conhecimento da cultura popular chilena. Victor trabalhou no campo desde criança e não tinha uma boa relação com seu pai.

Eles se mudaram para Santiago devido a um acidente doméstico que feriu seriamente sua irmã Maria. Em Santiago, Victor ingressa no Seminário da Ordem dos Redentoristas e se dedica ao canto gregoriano.

Após deixar o Seminário, Victor ingressa na Universidade de Chile estudando atuação e direção na Escola de Teatro. Ele começou sua carreira de cantor depois de ter sido incentivado por Violeta Parra. Em 1961 compõe sua primeira canção: Paloma Quiero Contarte. A partir daí o Chile ganhou um dos seus melhores artistas e um dos principais compositores da música de protesto latino-americana.

Provavelmente Victor Jara foi executado por ter sido nomeado Embaixador Cultural do Governo Allende em 1971 e por ser militante do Partido Comunista do Chile.

Essas são imagens do seu último concerto em Lima, Peru. Ele canta Luchín.



É interessante a forma como Victor Jara fala sobre essa música.



E essa é, na minha opinião, sua obra prima.




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